terça-feira, 28 de maio de 2013

O gosto bom que você tem

Acostumada a ter o autocontrole enfiado goela abaixo, a menina dos escudos. Cada gesto sempre foi friamente calculado. Não vou ligar. Não faz diferença. Vou fingir que nem vi e que não estou calculando mentalmente em quantos dias é normal sentir saudade. Não tem porque sentir saudade antes do prazo. Nem tem porque sentir saudade.  Com um copo de vodka na mão, soube por muito tempo gritar “eu não tô valendo nada”. O vazio pós festa era preenchido por um carinha qualquer que ocupava meu tempo e minha cama e meu tédio e prometia ligar enquanto eu esperava mais, desesperava mais. Sempre fui acostumada a ser decepcionada e não surpreendida.

Aí, aparece você. Que acha que esperar pra ligar e pra me ver é perda de tempo e você tem muito medo de perder tempo e ficar velho e cheio de rugas e sozinho. Que acha que se amanhã a gente tiver afim de casar, tudo bem porque nem sabemos o que pode acontecer depois de amanhã. Você não calcula. Não se protege e olha pros meus escudos como um cachorrinho inocente que não entende essas sujeiras humanas. E diz que tudo bem se eu surtar e ligar no meio da noite e você precisar me buscar pra ficar na sua casa pois tenho muito medo de pensar quando estou sozinha. E chega e ocupa bem mais que a minha cama, mas não me invade. Me pego sorrindo sem medo. Sem medo de que você queira sair correndo porque tô sorrindo apaixonada. E olho no fundo dos seus olhos por longos segundos depois que a gente acorda e você não tem medo também, não me acha estranha e nem desvia o olhar. E diz que tudo bem se eu quiser escrever sobre você. E tudo bem se eu me assustar e precisar descansar de você. E então eu vou pra casa e tudo la é você, o sofá que eu deito pra ganhar cafuné, o avental que diz ‘diva’ e você usa e continua tão másculo, o espelho que você usou pra me mostrar o quanto eu era linda mesmo de ressaca. Eu deito na cama que é você também e acho mesmo que eu te amo. Mas um amor diferente. Todos os meus amores são tão cheios de jogos e de inseguranças e você parece uma casa quentinha que eu posso finalmente ir depois de toda uma vida conturbada sem saber a que eu pertencia. Eu pertenço ao queixo quadrado e a barba por fazer e aos seus cachos e as suas mãos e ao seu apartamento pequeno e ao seu peito. Eu quero pertencer. Porque você diz que eu posso escolher o filme. Porque você também sabe me tirar o ar. Porque você prefere ficar em casa no quentinho. Porque você me deixa ser. Porque você sempre lê o modo de usar de tudo. Porque você me protege das coisas feias. E você fica. E você cozinha. E você tem um jeito meio francês e quando eu falo isso você sempre acha que estou dizendo que você é meio gay e você nem se importa. E você pergunta como foi meu dia. E consegue me amar com todas as minhas neuras. E nos dias que tenho as minhas recaídas na depressão. E me diz que se eu quiser um cachorro mas me achar inconstante demais pra cuidar dele, você cuida pra mim. E me abraça e diz que vai ficar tudo bem. E eu sei que vai. Porque eu sei que você fica. 

domingo, 26 de maio de 2013

Medo

Eu não entendia porque toda vez que você decidia bancar o esperto e trapacear em jogos eu ficava tão neurótica. É só um jogo, você dizia rindo, você tem que parar de fazer tempestade em um copo d’agua, enquanto me abraçava e fazia gestos imitando os meus, e dizia o quanto eu era exagerada e estranha e italiana por gesticular tanto. Você não fazia uma análise profunda de tudo que eu dizia, até porque era um ser humano normal e seguro. E eu encostava a cabeça no seu ombro e o nariz atrás da sua orelha e ficava calma porque aquele cheiro era tão bom e trazia esperança e vontade de sentir todos os seus cheiros que me faziam esquecer os jogos, o trabalho, o metrô lotado e a minha receita médica que dizia que eu só conseguiria ser feliz tomando Cloridrato de Fluoxetina todos os dias após o café. E minha mãe e minhas amigas e os outdoors e o mundo e você me dizendo menina, dessa vez vai devagar, não seja uma tempestade em um copo d’agua. Enquanto eu também tentava me convencer a ser leve, conta-gotas, ir com calma porque afinal nem nos conhecemos tão bem pra eu ser tempestade. Mas era tão simples. Meu medo era de ser o jogo que você engana tão friamente e sorri achando que é só um jogo. E imita, tira sarro e depois esquece porque é só um jogo. Então um dia decide do nada pular uma fase e deixar assim, incompleto porque você não tem paciência de passar. Meu desespero e meus gestos italianos que você sempre achou uma graça eram pra dizer: eu sou o jogo! Sou difícil às vezes. Implicante. Mas eu tô aqui. Mesmo sendo longa e um quebra-cabeça em algumas fases chatas e sendo tão curta em outras que você adora. Então eu comecei a chorar enquanto você fumava horas depois, e mesmo sem te dizer nada você falou da forma mais verdadeira e subentendida ao mesmo tempo, baixinho assim: Bia, não vou mais trapacear no jogo. Nem pular fases? Não. Promete? Sim, prometo. Pronto.