domingo, 26 de maio de 2013

Medo

Eu não entendia porque toda vez que você decidia bancar o esperto e trapacear em jogos eu ficava tão neurótica. É só um jogo, você dizia rindo, você tem que parar de fazer tempestade em um copo d’agua, enquanto me abraçava e fazia gestos imitando os meus, e dizia o quanto eu era exagerada e estranha e italiana por gesticular tanto. Você não fazia uma análise profunda de tudo que eu dizia, até porque era um ser humano normal e seguro. E eu encostava a cabeça no seu ombro e o nariz atrás da sua orelha e ficava calma porque aquele cheiro era tão bom e trazia esperança e vontade de sentir todos os seus cheiros que me faziam esquecer os jogos, o trabalho, o metrô lotado e a minha receita médica que dizia que eu só conseguiria ser feliz tomando Cloridrato de Fluoxetina todos os dias após o café. E minha mãe e minhas amigas e os outdoors e o mundo e você me dizendo menina, dessa vez vai devagar, não seja uma tempestade em um copo d’agua. Enquanto eu também tentava me convencer a ser leve, conta-gotas, ir com calma porque afinal nem nos conhecemos tão bem pra eu ser tempestade. Mas era tão simples. Meu medo era de ser o jogo que você engana tão friamente e sorri achando que é só um jogo. E imita, tira sarro e depois esquece porque é só um jogo. Então um dia decide do nada pular uma fase e deixar assim, incompleto porque você não tem paciência de passar. Meu desespero e meus gestos italianos que você sempre achou uma graça eram pra dizer: eu sou o jogo! Sou difícil às vezes. Implicante. Mas eu tô aqui. Mesmo sendo longa e um quebra-cabeça em algumas fases chatas e sendo tão curta em outras que você adora. Então eu comecei a chorar enquanto você fumava horas depois, e mesmo sem te dizer nada você falou da forma mais verdadeira e subentendida ao mesmo tempo, baixinho assim: Bia, não vou mais trapacear no jogo. Nem pular fases? Não. Promete? Sim, prometo. Pronto. 

4 comentários:

  1. Particularmente, gosto muito desses textos. É uma forma poétca de se desnudar. Mostrar um mundo que todos nós temos e que poucos tem o rompante de exteriorizar. Bjs.

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  2. Adorei. E mais?
    Beijo grande.

    Helô Flores

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